Jayrito Entrevista: Renato Marques


  • Como foi a reação da sua família quando você se assumiu ser homossexual, teve apoio, como é sua relação com eles?
A reação deles foi surpreendente, eles aceitaram muito bem. Primeiro eu conversei com as minhas irmãs: elas ficaram surpresas (não sei como... estava meio que na cara! =), mas me deram muito apoio. Eu estava nervoso de contar pra minha mãe, então por algum tempo guardei segredo. Mal sabia eu que depois de alguns anos ela se tornaria presidente do Grupo Diversidade Niterói por duas gestões!

Eu fui morar em Buenos Aires por alguns meses e sempre que mandava mensagens pra casa, escrevia uma parte que minha mãe poderia ler e outra parte que ela não deveria ver – sempre relacionado com o meu namorado de lá. Como eu iria explicar isso pra ela? Eu comecei a ficar muito frustrado pelo fato de ter que esconder algo tão importante de alguém que eu amo tanto, então no dia que cheguei, em agosto de 2003, a chamei para caminhar na Praia de Icaraí comigo – a mesma praia em que em junho de 2005 realizaríamos a primeira Parada do Orgulho LGBT de Niterói! É engraçado olhar essas coincidências depois de dez anos!

Pedimos dois cocos, sentamos e eu disse:
“Mãe, você já conheceu algumas namoradas minhas. A Núbia a Ester, a Andreia... Mas você também conheceu alguns dos meus namorados. O Zeca e o Marcelo não eram só meus ‘melhores amigos’.”
Olhei pra ela preocupado, sem saber muito bem que reação ela teria... Ela então sorriu e disse:
“Meu filho... Por que você desmanchou com o Marcelo? Ele era um menino ótimo!”. (risos)
Rimos e nos abraçamos.
O que mais me marcou, foi a frustração dela de “não ter notado antes”. Ela disse:
“Não acredito que você passou por isso tudo sozinho. Eu deveria ter estado ao seu lado!”.
Ela sempre, sempre esteve!


  • Quando você sentiu que "o bichinho do teatro te mordeu e despertou em você essa veia artística" para interpretar e dançar?
Nossa... Eu acho que esse bichinho já nasceu comigo! Muita gente não acredita, mas eu fui uma criança MUITO tímida... Quando um professor me pedia pra responder uma pergunta em voz alta, eu achava que iria morrer do coração! Mas eu criava historias e mais historias com meus playmobils, e claro, com a Barbies das minhas irmãs!
Primeiro eu achei que seria desenhista. Depois estilista – eu já vesti muita Barbie nessa vida! (risos)
Comecei a fazer teatro com minha irmã, Renata, e com meu primo, Ricardo. Sim... La em casa todo mundo tem nomes começando com R! (risos) Eu ADOROVA mas era muito, muito tímido mesmo. Retraído pra caramba! Eu tenho uma teoria de que quando você não é assumido e tenta sufocar a sua homossexualidade, você fica uma pessoa retraída, dura. Não sabe como andar, como falar, como rir... Sempre acha que está dando pinta!
A dança veio bem mais tarde e foi minha salvação! Eu comecei a fazer capoeira e descobri que eu era muito forte e flexível... Minha irmã sempre trabalhou com ginastica rítmica e eu pensei: “Hum... Vou fazer balé!”. Mas eu fiquei tão grilado com o preconceito que desisti. Numa viagem de trabalho à São Paulo, assisti ao filme “Billy Elliot”. Voltei pro Rio e me matriculei numa academia de balé! (risos) O cinema sempre me influenciou muito... A primeira vez em que beijei um cara, foi depois de assistir à “Minha Vida Em Cor De Rosa”!
Quando dançava, estava tão preso no medo e no preconceito, que sentia uma caixa invisível em volta de mim! Um horror... Mas Dona Helfany Peçanha, minha mestra de bale, me ajudou a quebrar aquela caixa e crescer como pessoa! Mais tarde, Valdenir Correa me ensinou a ter confiança e acreditar no meu talento.


  • Como foi sua infância? Sente falta daquela época? Você acha que diferentemente das crianças de hoje em dia, que já nascem com iphone, tablet do lado do berço, você aproveitou bem sua infância com as brincadeiras de rua, com os amigos daquela época embora ainda seja jovem?
Jovem nada! Já sou balzaquiano há algum tempo! (risos) Minha infância foi muito boa. Morávamos numa vila com 15 casas e podíamos brincar na rua o dia inteiro! Brinquei muito de pique-esconde, pique-alto e pique-pega – muito diferente da infância de hoje.

Eu não acho ruim crianças terem acesso à tecnologia não: eu uso iPads com os meus alunos o tempo todo! Mas acredito que os pais tem que dar limites, senão as crianças não desenvolvem atividades físicas e sociais. Eu adorei a minha infância... Mas estou muito feliz hoje também!



  • Pelo meu convívio com você e sua família acho que talvez a família Marques seja uma das mais unidas e felizes que conheço, qual a importância dela na sua trajetória de vida?
Sem eles, não teria eu! (risos) Nós somos muito unidos, uma família que eu acho diferente. Sempre fomos mais uma comunidade do que qualquer outra coisa: fazemos reuniões para resolver coisas, quase votamos!
Quando os meus pais se separaram, passamos muito perrengue... Faltava lugar pra morar, faltava o que comer... Mas nunca faltou amor e união. Minha mãe dedicou à vida dela a nos criar e, hoje vejo, que ela nos deu muitos limites, mas com muita liberdade. Ela nos deixou ser quem somos, e isso eu acho que foi o pilar de nossa união e felicidade.
Meus irmãos são as melhores pessoas que eu conheço! Eles são muito especiais... Honestos, inteligentes e sempre está lá quando eu preciso.
O mais engraçado é que somos muito unidos, damos muito valor ao nosso nome e ao nosso sangue, mas sempre acolhemos mais gente. Tenho vários amigos que são meus irmãos e ate chamam a minha mãe de mãe! Eles são e serão sempre a minha prioridade numero 1!


  • Como começou seu engajamento e envolvimento no universo LGBT?
Eu sempre me envolvi com política, desde muito cedo. Sempre fui representante de turma no ensino fundamental, participei do grêmio no ensino médio, mas, por preconceito, não achava o movimento LGBT uma coisa “seria”. Em Buenos Aires conheci o movimento LGBT e me apaixonei! Depois de algum tempo, recebi um email do meu melhor amigo, Tiago de Paula, dizendo: “volta pra Niterói pra gente fundar o movimento LGBT daqui.”
Quando voltei, ele arranjou tudo pra que eu, Victor De Wolf, Guilherme Brant – o Panda, e Rafael Mose (naquela época Rafael Abreu!) fossemos pro Finde GLBT de Búzios. La conhecemos figuras históricas do movimento LGBT como Claudio Nascimento, Carlos Tufvesson e Carlos Minc. Quando voltamos, decidimos criar uma ONG que tratasse da questão LGBT, mas também de outras questões que envolvem a sexualidade como o machismo, prostituição e papeis sociais. O Panda então deu o nome da ONG: diversidade! Nascia assim, na sala da minha casa, o amado Grupo Diversidade Niterói – GDN.

  • Você foi o primeiro presidente do Grupo Diversidade Niterói e um de seus fundadores, como você vê a evolução do grupo nesses 9 anos?
Eu realmente acredito que o GDN é a melhor ONG LGBT do Brasil! Fomos e somos diferentes desde o comecinho... Sempre quisemos estar ligados à população de forma direta, sempre discutimos questões que outras entidades não discutiam e sempre trabalhamos muito, muito duro. Sempre fomos muito sérios na busca pela cidadania de todos e todas. Quando decidi vir morar em Londres, fiquei preocupado com o que iria acontecer com a ONG. O GDN arrasou e montou sede, se estabeleceu como referencia na cidade, no estado e no país e mudou a historia de muita gente. Irrefutavelmente, o GDN faz parte a historia de Niterói com muitas lutas, conquistas e alegria, como dizia o tema de uma de nossas paradas.
Sempre fomos vanguarda: fomos a primeira ONG a mandar bissexuais e heterossexuais para a capacitação do curso SOMOS e fomos a primeira ONG LGBT do Brasil a ter uma presidente hétero! Viva a diversidade! O GDN esta aqui pra ficar e eu tenho muito orgulho de fazer parte desta historia.


  • Qual foi sua reação, quando sua mãe Rosiléia Marques foi convidada a ser presidente da ONG, por onde ficou por duas gestões?
Eu disse pra ela não aceitar! (risos) O trabalho é muito duro, constante, incessante... Rola muito estresse e fiquei com medo de que isso afetasse muito a minha mãe.
Ela arrasou! Ele foi presidente por duas gestões! Nas gestões dela o GDN criou sede, criou um ponto de cultura e normalizou toda a sua documentação! Ela mandou muito bem!


  • Como você vê as organizações e propostas sobre as paradas gays no inicio e as de hoje em dia, você acha que as propostas estão sendo alcançadas?
As paradas do orgulho LGBT são fundamentais para a visibilidade e luta por direitos da população LGBT. Eu tenho certeza que por conta do numero de pessoas que vão à parada de Niterói, as leis que temos na cidade foram aprovadas. Quem vai votar numa lei pra uma população que fica invisível, uma população escondida?
Também vimos que os hábitos na cidade mudaram por conta da parada: logo depois da primeira parada, eu e o Victor vimos casais LGBT andando de mãos dadas nos shoppings da cidade! Muito bacana! A conquista de direitos leva tempo... Ainda não temos nenhuma lei nacional que promova a cidadania da população LGBT. No entanto, somos mais visíveis e mais aceitos do que em qualquer outra época da historia do Brasil!


  • Agora morando e trabalhando em Londres, embora de vez em quando venha ao Brasil, como você vê o gay na sociedade hoje em dia?
Esta é uma pergunta difícil... Depende de vários recortes como classe social, lugar, profissão...
A diferença entre a cidadania LGBT aqui em Londres e no Brasil é gritante, no entanto. Aqui, mesmo o partido conservador defende a questão LGBT!

  • Você já encontrou sua cara metade ou se encontrar, pretende fazer o contrato de união civil estável?
A minha cara sempre foi inteira! (risos) Eu encontrei um companheiro que quero levar pra vida toda. Estamos juntos há quase cinco anos e eu o amo cada dia mais... Não pretendemos fazer o contrato de união civil, nós nem moramos juntos! Somos um casal rock’n’roll!!! (risos) Contudo, acho muito importante que quem quer legalizar sua relação tenho o direito de fazê-lo!

  • Como é sua rotina, seu dia-a-dia?
Nossa... Uma correria! Meu trabalho é muito exigente e trabalho praticamente o dia inteiro – seja planejando aulas, escrevendo relatórios ou respondendo e-mails do meus alunos e dos pais dos meus alunos. Trabalhar com educação especial foi um grande encontro na minha vida! Agora que terminei o mestrado, fiquei um pouco mais tranquilo... Faço balé duas vezes por semana e consigo ver alguns amigos depois do trabalho.
Eu também costumo dizer que moro junto com meu namorado “partisse”. Normalmente dormimos na casa do outro 4 vezes por semana. Quando estamos juntos, curtimos jantar fora e assistir series de TV. Eu sou viciado em filmes e programas de TV e finalmente consegui viciar ele em alguns shows! (risos)
Meu foco aqui em Londres é meu trabalho... Além da escola, tenho desenvolvido outros planos também! Escrevi um livro pra crianças com necessidades especiais e estou criando um aplicativo de educação pra iPads. Eu acabei de trabalhar no 5o. BrazilianFilm Festival e este bichinho de produção me picou de novo... Vamos ver aonde isso vai dar!


  • Como é visto e tratado os casos de homofobia fora do país e no Brasil?
Bom, isso depende do país. Na maioria dos países da Europa a homofobia é criminalizada e a maioria das pessoas não se espanta quando eu digo “meu namorado”. Eu saí do Brasil ha alguns anos, mas me parece que as coisas não mudaram muito. Ainda temos números alarmantes de assassinatos de pessoas LGBT e isso é alarmante... Os requintes de crueldade com que gays, lésbicas, bissexuais e, especialmente, travestis e transexuais são assassinados são um horror.
Precisamos no Brasil de leis que criminalizem a discriminação de qualquer pessoa. Somos iguais e não podemos aceitar que a população LGBT continue sendo discriminada todos os dias.


  • Como surgiu o convite pra ir trabalhar no exterior e o que o motivou á deixar o Brasil?
Eu sei que é muito clichê, mas vou ter que dizer destino! (risos) Sair de uma reunião mais cedo, pegar um caminho diferente, falar com um estranho... E pimba! Uma nova estrada se abre. Conheci a escola na terceira viagem que eles faziam ao Brasil. Decidi trabalhar com eles como voluntario e depois do meu segundo ano trabalhando com eles, eles me ofereceram o emprego aqui em Londres. Vim pra uma experiência de trabalho de 3 semanas em Setembro de 2007 e me mudei de mala e cuia em Junho de 2008.
Deixar o Brasil foi uma decisão MUITO difícil... Deixar minha família, meus amigos, o GDN – tudo que eu tinha construído durante uma vida toda! Eu sempre fui cigano... Minha família já se mudou 19 vezes! Sempre quis experimentar outras culturas, já estava apaixonadíssimo por Londres e percebi que uma oportunidade como esta não aparecia de novo, então vim! Depois de dois meses aqui, voltei ao Brasil pra fazer a campanha do Leonardo Giordano pra vereador – uma loucura! Saber que ele foi eleito foi uma das maiores felicidades que já tive na minha vida!!!


  • Você pretende voltar a morar no Brasil,o que o faria fazer a voltar de vez pra sua pátria amada?
Sempre penso em voltar em Brasil, especialmente quando estou estressado no trabalho! (risos) Eu tenho certeza de que um dia eu volto (um dia eu volto, quem sabe? =), mas ainda não tenho nada definido.
O que me faria voltar de vez? Hum... Primeiro o meu namorado teria que topar morar ai! (risos) Ele já disse que toparia daqui há alguns anos. (risos) Uma boa oportunidade de trabalho também me faria voltar. Sou um workaholic assumido e vivo para o meu trabalho!


  • Qual seu engajamento com o movimento LGBT na atualidade?
Infelizmente muito pouco. Tento me manter atualizado com o que acontece no GDN e vou à protestos por aqui, mas não estou ligado à nenhuma entidade.


  • Existe diferença nas organizações das paradas do orgulho LGBT do exterior com a do Brasil,tirando o investimento financeiro?

Eu não saberia te responder... Não sei como as paradas são organizadas por aqui. Já fui em algumas e tenho que dizer que as nossas são melhores! (risos) Mais vibrantes!


  • Como você vê a militância LGBT no Rio de janeiro e quem ou quais pessoas você destacaria como primordiais para o crescimento do Grupo Diversidade Niterói estar onde está atualmente?
Acho que o movimento LGBT tem ganhado espaço no governo, mas não tenho certeza se esse movimento tem afastado o movimento de sua base ou não. No GDN, acho que o Victor de Wolf é uma pessoa-chave: ele está lá desde o começo e continua muito ativo – na militância, quero dizer (risos). Acho que todas as pessoas que passaram ou que ainda estão no GDN são fundamentais na sua historia e na sua existência! Somos um grupo e isso é o que nos mantem fortes!
  • Relate um momento e uma cena marcante que você destacaria durante gestão como presidente do Grupo Diversidade Niterói?
A primeira Parada do Orgulho LGBT de Niterói é com certeza o momento mais marcante da minha historia no GDN. Trabalhamos MUITO colando cartazes, divulgando a parada com filipetas de xerox, nos endividando... Mas me lembro de olhar lá de cima do trio-elétrico e ver toda aquela gente lá embaixo, lutando e apoiando a diversidade... Eu e o Victor choramos muito naquele dia!
  • Renato Marques por Renato Marques?
Momento De Frente Com Gabi! (risos) Um adorável louco sonhador.

Comentários

maconwagenaar disse…
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