Jayrito Entrevista: Júlio Moreira


  • Quem é Júlio Moreira?

Ativista da causa LGBT desde 2000, atual presidente do Grupo Arco-Íris, presidente do Conselho Estadual dos Direitos da População LGBT, Secretário do Fórum de Grupos LGBT do Estado do Rio de Janeiro e Secretário Regional Sudeste da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais- ABGLT.

  • Quando se descobriu homossexual?

Desde muito novo, minhas lembranças mais antigas são de brincadeiras com os meninos ainda no Jardim de Infância. Porém, apesar de me relacionar com garotos, transitei entre a heterossexualidade e a bissexualidade até os meus 23 anos, quando de fato assumi para mim a minha homossexualidade.

  • Teve apoio da família?

Não. Minha mãe e meu padrasto não curtiram a ideia. Somente a minha madrinha levou numa boa. Foi necessário eu sair de casa e ter minha independência para que a poeira baixasse e eu voltasse a me relacionar com a minha família. Hoje, apesar de minha mãe ainda ter seus preconceitos, a nossa relação é boa e respeitosa.


  • Como a militância LGBT entrou na sua vida?

Foi tudo por acaso, o momento, o desejo pelo conhecimento e a vontade de fazer a diferença.

  • De voluntário a presidente do grupo Arco-Íris... Como foi esse acontecimento na sua vida?

Eu era universitário e estava numa fase de encontrar a minha identidade. Daí um gay e uma lésbica, amigos meus da faculdade, me convidaram para ir ao Grupo Arco-Íris. Já entrei como voluntário no 1º Encontro Latino Americano e Caribenho da Associação Internacional de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos – ILGA, que rolou na UERJ. A parti dali me envolvi mais com o Grupo, chegando a coordenar algumas atividades, como passeios ecológicos. Depois fui voluntário de projetos de prevenção Às DST/AIDS, ate ser convidado para trabalhar na secretaria do Grupo Arco-Íris. Tudo foi uma escala natural, conquistada com o meu envolvimento e o reconhecimento do corpo da Instituição. Por duas gestões eu fui Diretor Sociocultural. Não desejei a presidência, mas chegou esse dia de assumir e entendo que é um papel importante para todo o movimento LGBT em nosso Estado.

  • Qual seu ponto de vista sobre as paradas gay de antes e de hoje? Você acha que os objetivos foram alcançados?

No início era mais difícil, era se manifestar num campo minado pela opinião pública. A primeira tentativa de Parada no Brasil, aqui no Rio de Janeiro, teve uma dúzia de gatos pingados. Na segunda tentativa, em 1995, reuniram-se cerca de um pouco mais de 1000 pessoas, isso em virtude de o Rio de Janeiro sediar um encontro internacional de LGBT. A partir da visibilidade das Paradas, a pauta LGBT foi entrando no campo da política e o imaginário coletivo foi mudando, criando climas favoráveis. Elas ainda são importantes como instrumento transformador e mobilizador da massa. Entretanto, algumas paradas se perderam, pois seus organizadores as utilizam com fins comerciais ou de promoção pessoal para sustentar candidaturas a cargos no legislativo, ou ainda como a única ação da “ONG”. Esquecem que é necessário construir atividades durante o ano todo e fomentar uma base de pessoas que possam contribuir para mudar uma realidade local.  Existem muitas críticas quanto à chamada “carnavalização” das paradas, mas não podemos esquecer que a Parada é um elemento cultural também e o próprio fato dessa comunidade alijada de direitos ter uma visibilidade, ainda que carnavalesca, é um ato político. Ainda falta muito para conquistarmos, acho que o desafio é transformar as Paradas como eventos de mobilização social, com feiras de serviços. Acredito que devemos oferecer algo para a comunidade: educação, informação, saúde, acesso, etc...

  • Qual sua opinião sobre a aprovação lei da união civil estável entre casais homossexuais em todos os estados do Brasil?

Nenhuma lei foi aprovada. Isso é importante esclarecer. O projeto de lei do casamento civil transita no Congresso desde 1995, sendo a primeira proposta a da,à época, Deputada Federal Marta Suplicy, e a última, a proposta do Deputado Federal Jean Wyllys. O que aconteceu é que os Tribunais de Justiça de vários Estados vem se adequando a decisão do Supremo Tribunal Federal quanto ao reconhecimento da União Estável entre pessoas do mesmo sexo e a sua possível conversão para o Casamento Civil, sob o princípio constitucional da igualdade de direitos e oportunidades. Ainda que tenhamos esses avanços nos Tribunais de Justiça, é necessário que o Congresso aprove uma legislação específica, para que esse direito esteja melhor amarrado e nenhum argumento possa ser utilizado para negá-lo. Um exemplo disso é que aqui no Estado do Rio de Janeiro, cabe a cada juiz de Comarca dar o seu parecer quanto à legitimidade da conversão. O juiz responsável pela Comarca da Cidade do Rio de Janeiro, por exemplo, é contrário à conversão.

  • Qual sua opinião sobre a polêmica Marcos Feliciano? Você não acha que estão dando muito IBOPE pra ele aparecer na mídia não?

Mas é isso que a bancada fundamentalista quer. Eles têm um projeto de poder, baseado naquela famosa frase da Bíblia “Feliz a nação cujo Deus é o senhor”.Só que o problema é que tem que ser o Deus conforme eles entendem e querem impor pra todo mundo. Em minha opinião, se o Estado é laico, não deveria ser permitido existir legendas partidárias religiosas, como o Partido Socialista Cristão (PSC) e líder religiosos parlamentares. Eles precisam de um bode expiatório para justificar a sua cruzada moral, e todos os temas que são polêmicos na nossa contemporaneidade são demonizados. Eles se justificam entre os fiéis/eleitorado como os grandes agentes dessa “limpeza moral” e pra isso vale tudo, mentir, criar projetos polêmicos, ocupar espaços estratégicos, para que tenham uma visibilidade através da reação dessa minoria. Não temos como fugir muito disso, pois cada ação traz uma reação. O bacana é ver que, mesmo que eles cresçam, vários setores na sociedade estão se mobilizando e percebendo que o perigo é bem maior do que aparenta. Ou seja, que mais cedo ou mais tarde acabará interferindo na liberdade de todos os cidadãos.

  • Você já está casado com seu companheiro de 11 anos no papel? (risos)

Sim, estamos juntos há 11 anos, mas apenas fizemos o reconhecimento da união estável, ainda não convertemos para casamento civil. Acho um direito legítimo e necessário e luto por ele. Porém, no meu caso, curto mais a ideia de se ter uma segurança legal dessa relação do que o simbolismo em si da entidade “casamento”.

  • Qual sua ligação com as outras ONGS do RJ? Tem Carinho especial por alguma específica? Qual você acha a mais organizada? Acha que existe muito briga de ego e rixa entre elas?

Eu me relaciono praticamente com todas as organizações LGBT do Estado do Rio de Janeiro. Muitas delas eu ajudei em sua formação, enquanto atuei no Projeto Somos. Este era um projeto da ABGLT, em parceria com o Grupo Arco-Íris onde trabalhamos para o fortalecimento de organizações e ativistas LGBT para a resposta à epidemia de HIV/Aids entre gays e outros homens que fazem sexo com homens. Assim, surgiram o Grupo Diversidade de Niterói, o Grupo Cabo Free, o Grupo Pluralidade e Diversidade de Duque de Caxias, entre outros; sendo que estes três que citei passaram a coordenar as maiores Paradas LGBT de nosso Estado, depois da Parada LGBT do Rio de Janeiro. Tenho carinho por todos os grupos e militantes, pois sei que não é fácil atuar no ativismo. Hoje, algumas estão mais estruturadas outras mais deficitárias, mas isso faz parte do processo de construção e da realidade de cada local. Disputas sempre vão ocorrer, seja por ideologias, formas de agir, sobrevivência, isso faz parte de qualquer movimento social. O importante é ressaltar que mesmo com algumas briguinhas, o nosso Movimento LGBT Fluminense é bem unido e sabe juntar as forças para combater a homofobia

  • Existe preconceito no próprio meio gay?

Em quaisquer meios existirão preconceitos. A comunidade LGBT não é composta por alienígenas que chegaram num disco voador na Terra, trazendo sua cultura própria. Nós somos frutos dessa sociedade e reproduzimos os seus valores, para o bem e para o mal.

  • Falta o quê pra vitória dessa luta ser alcançada?

É necessário ampliar a conscientização da sociedade. Não somente da comunidade LGBT. Se a gente trabalha educando para a diversidade humana, as pessoas passarão a se respeitar mais, pois essa “diferença” é o que nós faz sermos singulares, é o que nos possibilita a lidar com a novidade em cada relação interpessoal.

  • Como você vê os gays de antigamente com relação aos de hoje em dia? 

Eu costumo dizer que a homossexualidade é um sentimento/desejo e ser gay, lésbica, travesti, transexual etc, uma identidade cultural construída e mutável. Um exemplo disso é que não podemos considerar que Oscar Wilde, no século 19, era um gay. Pelo menos não como compreendemos essa identidade nos dias de hoje. Ele não usava calça skiny, camiseta colada no corpo, cabelo arrepiado e ouvia Beyoncé. Ele era um Dândi, um homem de bom gosto e fantástico senso estético. Assim, os gays de antigamente tinham uma compreensão de si mesmo e se relacionavam, conforme as identidades de sua época. Da mesma forma, os adolescentes de hoje e a gerações futuras viverão suas identidades a partir das referências de sua contemporaneidade. Em tempos de globalização, visibilidade e políticas públicas, as referências se tornam mais fortes e a possibilidade de se assumir um dessas identidades também. Tanto é que hoje temos várias, como as barbies, os ursos, as pintosas, as emos etc.

  • Você já foi vítima de homofobia?

Agressão física, apanhar por ser gay não. Até porque eu tenho uma estética muito masculinizada, e o preconceito cai justamente sobre quem “aparenta” ser gay. Mas em situações de estar com amigos, ou demonstrar afeto em público, já percebi piadinhas e recebi xingamentos. Em alguns casos eu reagi, pois não gosto de deixar barato.

  • O que você acha sobre os artistas estarem se assumindo, saindo do armário, como a cantora Daniella Mercury, o cantor Ricky Martin, O ator Marco Nanini, o ator José de Abreu estar se assumindo bissexual...?

Acho positivo, é um reflexo do tempo em que estamos vivendo, conforme já apontei acima. Estes artistas são formadores de opinião e passam a ser referência para outros se assumirem também.

  • E sobre a TV estar dando mais espaço para os gays, como transsexuais, travestis, como na novela Salve Jorge? Está se criando maior visibilidade?

As novelas possuem um papel significativo sociedade e acabam servindo como um instrumento de educação também. Acho importante que mais personagens LGBT sejam retratados, entretanto fugir de estereótipos negativos ou de processos de higienização não é fácil.

  • Porque então você acha que é tão difícil exibir o beijo gay na TV? Silvio Santos ousou em exibir um beijo gay na novel Amor e Revolução  com as atrizes Luciana Vedramini e Gisele Tigre. Por que você acha que a Globo sempre cria um expectativa em torno disso e na hora H não põe no ar? 

Porque a TV Globo é a número um em audiência e, sendo assim, possui um cuidado enorme em não perder esse posto. Assim, todo tema que gera polêmica será retratado de forma branda. Eles podem até retratar o LGBT, mas daí assumir uma postura mais revolucionária ou “exótica”, numa sociedade ainda conservadora, é complicado. Isso implicaria inclusive em perdas financeiras. Mas acredito que essa cena ainda vai acontecer mais cedo ou mais tarde, pois a TV reflete muito o “comum” da sociedade, e cada vez estamos ganhando mais espaços e visibilidade.

  • E sobre o filho do Bispo Edir Macedo se assumir gay e depois desmentir?

O garoto quer chamar a atenção, como muitos garotos que foram criados em famílias conservadoras. Acabam virando a “ovelha negra” da família pra criar esse desconforto familiar. Entretanto, temos que ter cuidado ao julgá-lo, pois não sabemos qual é a realidade desse menino, se ele é gay ou não. E, ainda que fosse gay, não seria fácil de se assumir enquanto filho de um homem que usa de argumentos conservadores para se manter na cúpula de um poder religioso e que gera retorno financeiro. Fora que a mesada do guri não deve ser pouca, né? Imagina se cortam todas as suas mordomias.

  • Quais são seu projetos futuros?

Ter um negócio próprio e uma maior segurança financeira e chegar à meia idade com saúde e felicidade.

  • Quem é Deus na sua vida?

Algo incompreensível, mas presente no imaginário coletivo, na natureza, no mistério das coisas e nas três perguntas essenciais do ser humano: “Quem sou? De onde vim? Para onde vou?”. Não sou religioso, mas como dizia Shakespeare: “ Há mais mistérios entre o Céu e a Terra do que sonha a nossa vã filosofia”...

PING PONG:
  • Cor?: Azul
  • Praia ou Montanha?: Mangaratiba, tem os dois...
  • Shopping ou Feira?: Shopping, tem mais variedades.
  • Programa de Indio?: Dançar sob o luar no meio da aldeia.
  • Quando você não está trabalhando?: Estou em casa...
  • Um ator?: Johnny Depp
  • Uma atriz?: Uma Thurmam
  • Um ídolo?: Não idolatro, mas admiro todos e todas que contribuíram para o bem da humanidade
  • Cantora?: Aretha Franklin
  • Cantor?: Morryssey, ex-TheSmiths
  • Hobby?: Pesquisa musical
  • Animal de Estimação?: Não tenho, gosto deles na natureza.
  • Mania?: Mexer no meu smartphone
  • Julio por Julio?: Um cara na dele, tentando até ser invisível, mas que pode surpreender você, se o conhecê-lo um pouco mais


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Flashback: "Os Assumidos" - A Peça (2008)

Gato do Blog 2: Carlos Rick / Maio

Jayrito Entrevista: Fabianna Brazil